Alexandre de Moraes e a justiça de exceção: quando o juiz vira acusador

POLÍTICA | A mais recente polêmica do STF expõe a fragilidade das garantias democráticas no Brasil
O ministro Alexandre de Moraes, relator dos processos relacionados aos atos de 8 de janeiro, protagonizou mais um capítulo polêmico do que já se consolidou como uma era de justiça de exceção no Brasil. Durante o julgamento de envolvidos nos ataques aos Três Poderes, Moraes exibiu um vídeo que não constava nos autos, produzido por seu próprio gabinete, para reforçar sua tese acusatória. A justificativa do ministro foi de que “fatos públicos e notórios independem de prova”. No entanto, o que ele apresentou não foi um fato inquestionável, mas uma narrativa cuidadosamente montada para confirmar suas próprias convicções.
O juiz que cria provas
O papel do juiz em um Estado Democrático de Direito é o de garantidor da lei, zelando pela imparcialidade do julgamento e garantindo que as regras do devido processo legal sejam cumpridas. No entanto, Moraes extrapolou sua função ao determinar a edição de um vídeo com imagens selecionadas, excluindo cenas que poderiam contradizer sua versão dos fatos. Entre as imagens omitidas estão registros do general Gonçalves Dias, ex-ministro do GSI, abrindo as portas do Palácio do Planalto e conversando pacificamente com manifestantes, assim como os momentos em que algumas pessoas gritavam “Não quebra, não quebra!” e uma manifestante denunciava infiltrados tocando fogo no Congresso.
Se esse material era tão relevante para a condenação dos réus, por que foi mantido em segredo até o momento oportuno? Ao esconder o vídeo das defesas e apresentá-lo de surpresa no julgamento, Moraes violou o princípio do contraditório e da ampla defesa, impedindo que os advogados tivessem tempo de analisar e contestar a prova. Esse tipo de atitude é inadmissível em qualquer tribunal minimamente sério.
Nos EUA, isso seria um escândalo
No direito penal norte-americano, esse tipo de conduta é considerado um gravíssimo desvio funcional. Existe, inclusive, uma regra específica para coibir essa prática: a Brady Rule, que exige que qualquer evidência relevante seja compartilhada com a defesa, sob pena de anulação do processo. Se um promotor nos EUA escondesse uma prova essencial ou manipulasse evidências para reforçar uma acusação, poderia ser punido severamente, além de ver suas acusações desmoralizadas perante a justiça.
No Brasil, no entanto, Moraes age com impunidade, protegido pelo poder que concentrou em suas mãos nos últimos anos. A falta de um freio institucional permite que um ministro do STF acumule funções de investigador, acusador e julgador, tudo ao mesmo tempo, em um processo que se afasta perigosamente dos princípios republicanos.
O dano à credibilidade da Justiça
A repercussão desse episódio deve atravessar fronteiras. Organizações internacionais de direitos humanos, juristas e a própria opinião pública começam a questionar ativamente o comportamento de Moraes e sua influência desproporcional sobre o sistema de justiça brasileiro. Cada nova arbitrariedade do ministro se soma a um histórico preocupante de perseguição política disfarçada de justiça.
O Supremo Tribunal Federal, que deveria ser o guardião da Constituição, corre o risco de se transformar em um tribunal de exceção, onde o fim justifica os meios e garantias básicas são atropeladas em nome de uma suposta necessidade de punição exemplar. O Brasil, que já vive uma crise de confiança nas instituições democráticas, não pode se dar ao luxo de normalizar tamanhos abusos.
Se a Justiça é realmente para todos, ela também deve se aplicar a quem ocupa as cadeiras mais altas do Judiciário. Resta saber se algum dia Alexandre de Moraes será cobrado pelas práticas que ele mesmo condena nos outros.**
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